terça-feira, 26 de abril de 2011

Despertador


"Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que tudo começou a ganhar uma cara que, no fundo, eu já conhecia, mas havia esquecido como era. Comecei a despertar do sono estéril que, com suas mãos feitas de medo e neblina, fez minha alma calar. E foi então que comecei a ouvir o canto de força e ternura que a vida tem. 

Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que ninguém começa a despertar antes do instante em que algo em nós consegue deixar à mostra o truque que o medo faz. Só então a gente começa, devagarinho, para não assustar o medo, a refazer o caminho que nos leva a parir estrelas por dentro e a querer presentear o mundo com o brilho do riso que elas cantam. Só então a gente começa a entender o que é esse sol que mora no coração de todas as coisas. Não importa com que roupa elas se vistam: ele está lá.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a lembrar de onde é o céu e a perceber que o inferno é onde a gente mora quando tudo é sono. Comecei a sair dos meus desertos. E a olhar, ainda que timidamente, para todas as miragens, sem tanto desprezo, entendendo que havia um motivo para que elas estivessem exatamente onde as coloquei. Nenhum livro, nenhum sábio, nada poderia me ensinar o que cada uma me trouxe e o que, com o passar do tempo, continuo aprendendo com elas. Dizem que só é possível entendermos alguns pedaços da vida olhando para eles em retrospectiva. Acho que é verdade.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a compreender o respeito e a reverência que a experiência humana merece. A me dar conta de delícias que passaram despercebidas durante um sono inteiro. E a lembrar do que estou fazendo aqui. Ainda que eu não faça. Ainda que os vícios que o sono deixou costumem me atrapalhar. Ainda que, de vez em quando, finja continuar dormindo. Mas não tenho mais tanta pressa. Comecei a aprender a ser mais gentil com o meu passo. Afinal, não há lugar algum para chegar além de mim. Eu sou a viajante e a viagem.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a querer brincar, com uma percepção mais nítida do que é o brinquedo, mas também com um olhar mais puro para o que é o prazer. A ouvir o chamado da minha alma e a querer desenhar uma vida que passe por ele. A assumir a intenção de acordar a cada manhã sabendo para o quê estou levantando e comprometida com isso, seja lá o que isso for, porque, definitivamente, cansei de perambular pelos dias sem um compromisso genuíno. E comecei a gritar por liberdade de uma forma que me surpreendeu. Antes eu também gritava, mas o medo sufocava o grito para que eu não me desse conta do quanto estava presa.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que comecei a desejar menos entender de onde vim e a desejar mais aprender a estar aqui a cada agora. Só sei que descobri que a solidão é estar longe da própria alma. Que ninguém pode nos ferir sem a nossa cumplicidade. Que, sem que a gente perceba, estamos o tempo todo criando o que vivemos. Que o nosso menor gesto toca toda a vida porque nada está separado. Que a fé é uma palavra curta que arrumamos para denominar essa amplidão que é o nosso próprio poder.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que não importam todos os rabiscos que já fizemos nem todos os papéis amassados na lixeira, porque todo texto bom de ser lido antes foi rascunho. E, por mais belo que seja, é natural que, ao relê-lo, percebamos uma palavra para ser acrescentada, trocada, excluída. A ausência de uma vírgula. A necessidade de um ponto. Uma interrogação que surge de repente. Viver é refazer o próprio texto muitas, incontáveis, vezes.

Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. O que sei é que não quero aquele sono outra vez."


Ana Jácomo

domingo, 24 de abril de 2011

Páscoa


"E, no primeiro dia da semana, muito de madrugada, foram elas ao sepulcro, levando as especiarias que tinham preparado. E acharam a pedra do sepulcro removida. E, entrando, não acharam o corpo do Senhor Jesus. E aconteceu que, estando elas perplexas a esse respeito, eis que pararam junto delas dois varões com vestes resplandecentes. E, estando elas muito atemorizadas, e abaixando o rosto para o chão, eles lhes disseram: Por que buscais o vivente entre os mortos? Não está aqui, mas RESSUSCITOU
(Lucas  24.1-5)

"A morte física não é a autoridade final de nossa existência. Pois, como Cristo ressuscitou pleno de vida e poder dentre os mortos, também venceremos as ânsias da morte para estarmos com o Senhor para sempre."
(1 Tessalonicenses 4.17)


A RESSURREIÇÃO de JESUS CRISTO é a base fundamental que dá caráter singular ao Cristianismo, é por ela e através dela que se sustenta a FÉ, ela é a base de tudo e a prova maior de que JESUS era DEUS!  Para nós, mortais por natureza, sozinhos, é impossível vencer a morte! Mas JESUS a venceu! A ressurreição de CRISTO é o fato mais grandioso da historia universal, a fonte de toda a nossa esperança e a razão da nossa crença em uma futura vida eterna ao lado daquele que "É". O único passaporte é a FÉ! 

"Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo" 
(Romanos 10:9)

sábado, 23 de abril de 2011

Indecisão: "qualidade" dos fracos?

A indecisão nem sempre se comporta da maneira como deveria, não é das melhores amigas e não sabe te responder nenhuma pergunta, por mais boba que seja. Não sabe e não pode, sua essência não deixaria. Ela te faz pensar, mas não agir, atitude sábia por um lado, porém excessivamente inútil pelo outro e que simplesmente te faz parar, olhar para os lados, e se perguntar: "Para onde eu vou?"
Tem coisa melhor do que saber a resposta? Tem coisa melhor do que saber para onde se está indo? Ou para onde se quer ir? 
Tem pessoas essencialmente indecisas, que não sabem o que querem, e que adoram proclamar, estufando o peito, com todo o orgulho do mundo: "sou indeciso, complicado e confuso", como se isso fosse alguma qualidade, como se isso fosse algum mérito. 
Os valores estão invertidos mesmo! 
Ser um ser humano "confuso" ou "complicado" não te faz "maior" do que você realmente é, somente pelo suposto "ar de rebelde moderno" que isso traz para a sua imagem perante os outros, pelo contrário, te faz fraco, frágil, perdido... é assim que as pessoas olham para você.
Então, vamos ser decididos, afinal, mudar de ideia é permitido também, né? Ou não?

quarta-feira, 13 de abril de 2011

# )


- Salve!
- Como é que vai?
- Amigo, há quanto tempo!
- Um ano ou mais...
- Posso sentar um pouco?
- Faça o favor
- A vida é um dilema
- Nem sempre vale a pena...
- Pô...
- O que é que há?
- Rosa acabou comigo
- Meu Deus, por quê?
- Nem Deus sabe o motivo
- Deus é bom
- Mas não foi bom pra mim
- Todo amor um dia chega ao fim
- Triste
- É sempre assim
- Eu desejava um trago
- Garçom, mais dois
- Não sei quando eu lhe pago
- Se vê depois
- Estou desempregado
- Você está mais velho
- É
- Vida ruim
- Você está bem disposto
- Também sofri
- Mas não se vê no rosto
- Pode ser...
- Você foi mais feliz
- Dei mais sorte com a Beatriz
- Pois é
- Pra frente é que se anda
- Você se lembra dela?
- Não
- Lhe apresentei
- Minha memória é fogo!
- E o l´argent?
- Defendo algum no jogo
- E amanhã?
- Que bom se eu morresse!
- Prá quê, rapaz?
- Talvez Rosa sofresse
- Vá atrás!
- Na morte a gente esquece
- Mas no amor agente fica em paz
- Adeus
- Toma mais um
- Já amolei bastante
- De jeito algum!
- Muito obrigado, amigo
- Não tem de quê
- Por você ter me ouvido
- Amigo é para essas coisas
- Tá...
- Tome um cabral
- Sua amizade basta
- Pode faltar
- O apreço não tem preço, eu vivo ao Deus dará


(Amigo é Para Essas Coisas - MPB4)

    

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Acordo, tomo café, falo com meu tio e minha mãe, e ligo a tv. Aí escuto que um rapaz, da minha idade, (23 anos), entrou em uma escola, onde já estudou, armado com 2 dois revólveres e começou a atirar contra um grupo de crianças e adolescentes, matando 12 e ferindo 13, até aquela hora. Depois, se suicidou, deixando uma carta sem sentido onde fazia exigências em relação ao seu sepultamento, menções ao Islamismo e atitudes terroristas, e referências a Deus e a Jesus.


"Ele simplesmente entrou na sala, puxou a arma e começou a selecionar as pessoas que iriam morrer", explica umas das crianças sobreviventes.


Notícias como essas, de massacres coletivos, costumam chocar não apenas pela crueldade, que é sem limites imagináveis, mas também por se tratar de crianças, de pessoas totalmente indefesas. Além do fato de que este tipo de crime não é considerado comum em nosso país. 
Depois de "digerir" o café que e a notícia, fiquei pensado: O que será que se passava na cabeça de Wellington Menezes de Oliveira? 
Respostas a essa pergunta começaram a surgir de diversos especialistas em comportamento humano pelo Brasil afora, uns apontam que o rapaz foi vítima de bullying nesta mesma escola, outros já lembram que ele sofria de transtornos psicológicos e mentais, outros dizem que era uma pessoa solitária, sem amigos, ou talvez um fanático religioso. São muitas as suposições, ou certezas. Eu também tenho a minha, e vou dizer, mas não agora.
Não demorou muito para que eu tivesse certeza da minha resposta à minha própria pergunta, mas, ainda assim, continuei sem entender, sem compreender, sem aceitar, porque é impossível aceitar. Basta relembrar os fatos, e o sentimento de repúdio aflora... Você pegar uma arma, olhar para uma criança, e CONSEGUIR atirar nela, você tirar a vida de crianças, CRIANÇAS, que estão na escola, dentro da SALA DE AULA, e você ali, olhando para elas... Sinceramente, nessas horas a gente meio que perde um pouco a fé no ser humano. Não é mesmo? Eu senti isso hoje, acho que muitos também sentiram.
Mas também, quem foi que disse que é no ser humano que precisamos "ter fé"? 
E aí é que entra a resposta a que me referi anteriormente. O ser humano, sozinho, não pode nada, nada pode contra seus medos, suas mágoas, suas frustrações, seus pensamentos ruins, suas vontades perversas, que acabam se transformando em atitudes, (como esta que vimos hoje), (para os que defendem a insanidade mental de Wellington, eu digo mais: insanidade mental não é sinonimo de maldade, nem te transforma necessariamente em um assassino cruel, frio e calculista, pelo motivo que for), o ser humano, sozinho, nada pode contra sua insanidade mental, contra seus traumas de infância, contra sua revolta causada pela falta de oportunidade ou pela sua exclusão social em mundo cada vez mais competitivo, o ser humano, sozinho, nada pode contra seus mais profundos sentimentos, nada pode contra ele mesmo, nada pode contra sua natureza. 
Finalmente, qual a resposta que tenho para atitude de Wellington? 

Uma só: Distância INFINITA de Deus na vida dele

Aí você me diz que essa é a primeira coisa que os "fanáticos religiosos" dizem para justificar tragédias como essas, que essa é a resposta "fácil", da "massa", porém, ela encobre tudo que está por trás realmente das motivações de Wellington (que são sociais, religiosas, ou psiquícas), e eu continuo te afirmando: Esse rapaz, padecia infinitamente da presença de Deus em sua vida, seu coração era como se fosse um vácuo negro onde nada vivia e nada brotava. Aí você me diz que não acredita em Deus, e que além disso esse assunto é muito complexo e que só a psicologia pode explicar o que se passava na cabeça de Wellington. Tudo bem, você pode não acreditar em Deus. Mas você não pode não acreditar nas consequências que esse "ser" tão polêmico (existindo ou não), causa na  vida das pessoas que o buscam, nas mudanças, nas verdadeiras transformações. Sim, porque elas são reais, e bem VISÍVEIS, para elas é impossível fechar os olhos, sobre elas é impossível poder afirmar que não existem. Por que eu digo isso? Porque eu nunca vi, nem em casa de recuperação, nem em Febem, nem em presídio, nem em grupo de apoio, nem nas melhores escolas, nas melhores famílias, pessoas deixarem de ser o que são para se tornarem algo infinitamente melhor, eu nunca vi um ser humano, sozinho, largar o vício das drogas, e consegui manter essa atitude até o fim de sua vida, sem nenhuma recaída, eu nunca vi um assassino convicto, (que trabalhava como matador de aluguel, entrando em detalhes, pois este senhor eu conheci de perto), se desfazer de toda a sua perversidade e se tornar um EX assassino, homem amoroso, que transmite ternura apenas ao falar, eu nunca vi um traficante de drogas se arrepender de todo o mal que já fez, largar tudo, e começar a viver de forma digna, mesmo ganhando infinitas vezes menos do que antes para sobreviver, eu nunca vi um marido bêbado, que bate na mulher todas as noites, se transformar em um homem completamente diferente, um homem carinhoso, que fala manso, em um marido totalmente dedicado, enfim, eu nunca vi um ser humano mudar tão radicalmente a sua essência (seja ela oriunda de fatores psicológicos ou sociais ou de qualquer outro) sem que ele tenha buscado a Deus, procurado conhecer a natureza de Deus, procurado fazer a vontade de Deus, procurado aprender sobre Deus, procurado SENTIR DEUS
É por isso, que a minha resposta para essa tragédia é e sempre será essa: Distância de Deus.
Wellington poderia ser um doente mental, ou não, poderia ser rico ou pobre, poderia ser adotado, ou filho legítimo, poderia ser um psicopata ou uma pessoa normal, poderia ter amigos e família, ou ser sozinho no mundo, poderia ser feliz, ou infeliz, NÃO IMPORTA, eu tenho certeza que, considerando qualquer umas das suposições, SE ele tivesse, dentro do coração dele, uma MÍSERA, uma MÍNIMA porção do amor de Deus, para ele isso BASTARIA, e ele jamais teria sido capaz de fazer o que fez. Por quê? Porque ele teria sido tomado por inteiro por um sentimento de Compaixão por aquelas crianças, Arrependimento e Amor, três coisas que simplesmente o paralisariam na hora de atirar, por mais que ele tivesse planejado fazer aquilo tudo, por mais que ele estivesse decidido.


Paz, Longanimidade, Benignidade, Bondade, Mansidão, Temperança

Todos esse adjetivos, e alguns mais, são apontados pela Bíblia como "frutos do espírito"
E o que seria isso? 
Seriam características das pessoas que buscam insistentemente a presença de Deus, que tomam a sua cruz e o seguem sem olhar para trás, que se entregam por inteiro ao Senhor, e portanto, de tanto fazer isso, com um certo tempo, começam a possuir as características do Espírito de Deus, o chamado Espírito Santo. 
Você quer saber se eu sou assim? Se eu possuo essas características? 
Não não, estou muito longe disso, mas de uma coisa eu sei, aqui, no meu coração, eu guardo a tal "mísera" porção do amor de Deus que eu falei anteriormente, eu guardo comigo a sete chaves e não deixo escapar, pois, para mim, esse é o meu MAIOR TESOURO, é a coisa mais importante que eu tenho na vida. 

E hoje, ao desligar a tv, depois de ver uma mãe chorando ao telefone contando ao pai que a sua filha estava morta, com os olhos cheios de lágrimas, eu pensei em Deus, pensei pedindo conforto para aquele coração, e depois, me lembrei do meu pai, quando, há 1 ano atrás, diante do falecimento do meu único irmão, (faz um ano exatamente amanhã, dia 08), me disse: "Filha, a pior dor que um ser humano pode sentir, é a dor da perda de um filho. Não existe dor mais forte do que essa. É contra a lei da natureza, vai contra a ordem natural das coisas". Ele me disse isso, e sua face estampava a expressão mais triste que já pude ver nele, e eu nunca mais esqueci essa frase.

Pois é, caro amigo, ou amiga, você, acreditando ou não na existência dele, acreditando ou não na existência de Deus, é obrigado a concordar comigo em uma única coisa: Esse mundo, quando se distancia dele, quando o deixa de lado, vira todo esse HORROR que vemos hoje, dia 07 de abril de 2011, ao ligar a tv.



"E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos esfriará" 
(Mateus 24:12) 


terça-feira, 5 de abril de 2011

Nostalgia


Tem pessoas que pensam que, literalmente, o tempo não passa, que acham que tudo gira eternamente em torno das suas próprias ideias e memórias. Mas o engano é grande! O tempo passa sim, e bastante rápido, tão rápido que nós muitas vezes não percebemos. Basta um breve piscar de olhos do ser humano e já se foi um segundo de vida que nunca mais poderá ser recuperado, nem vivido novamente! E assim se vão mais segundos, e mais segundos, depois os minutos, horas, dias, meses e anos, e a vida! Breve assim? Sim!
Junto com o tempo, também passam outras coisas, ficam para trás algumas, mal resolvidas outras, inacabadas mais umas, ou simplesmente algumas desaparecem e deixam de existir nessa viagem louca que chamamos VIDA! 
De repente, quando olhamos para o lado, percebemos que, algumas roupas, não usamos mais, a nossa comida preferida, perdeu o sabor - agora você aprecia novas receitas -, aquele super amigo, virou um colega, aquele problema enorme, era uma coisa tola, percebemos que deixamos de preferir o rosa, para se encantar pelo azul, você descobre que consegue se desfazer de coisas (e pessoas) que considerava essenciais. Por quê? Porque tudo passa, apenas o que continua é você e a sua vontade de escrever uma história bonita, que valha a pena contar, o que fica é você e o que você quer fazer ser essencial na sua vida, o que fica é você e o bem que você faz, o amor que você leva, o sorriso que você mostra, e o abraço que você dá na hora certa

O segredo é saber escolher o que vale a pena lembrar, e transformar em nostalgia. 

"Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.

Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.

Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta pagina, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialétos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não e assim que é a vida?"


Paulo Leminski

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segunda-feira, 4 de abril de 2011

A intolerância é o show

Poucos políticos brasileiros são tão polêmicos quanto o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Suas opiniões trafegam na fronteira tênue que separa a liberdade de expressão da manifestação preconceituosa e irresponsável. Muitas vezes, cruzam a fronteira, como quando prega que os pais devem bater nos filhos para impedir que se tornem gays ou defende a tortura praticada nos porões da ditadura militar. Bolsonaro, nem é preciso dizer, é partidário da pena de morte. E a polêmica o acompanha há bastante tempo. Uma frase antológica atribuída a ele assevera que os militares deveriam ter fuzilado "uns 30 mil corruptos, a começar pelo presidente Fernando Henrique Cardoso". Isso foi em 1999.

A previsibilidade é uma característica do deputado. Quando um jornalista o questiona sobre união homoafetiva, políticas públicas para a aids ou pagamento de indenizações a ex-presos políticos, já sabe o que vai ouvir. E isso faz de Bolsonaro uma espécie de paiol de explosivos, ao qual certos órgãos de imprensa recorrem quando querem barulho. Se não foi essa a intenção do programa CQC, da Band, que produziu com ele um quadro de quatro minutos e meio intitulado "O povo quer saber", é difícil imaginar o que seria. Bolsonaro não decepcionou: disse frases infelizes e deu ao CQC a polêmica desejada.

É curioso que, nas reações indignadas que se seguiram, tenham sobrado críticas ao deputado (já se fala em cassação), ao passo que a responsabilidade do programa televisivo sequer chegou a ser discutida. É evidente que ela existe. Mesmo um programa humorístico tem responsabilidade sobre aquilo que veicula. A manifestação de Bolsonaro não foi espontânea, nem ocorreu em ambiente público ou na tribuna do Congresso. Ela foi arranjada. Foram feitas perguntas sobre temas que, sabidamente, recebem do deputado respostas agressivas. Houve evidente conluio entre entrevistadores e entrevistado para que um conteúdo polêmico pudesse ser produzido e levado ao ar.
A entrevista levantou a bola do deputado, que ganhou súbita projeção. Logo surgiram os imitadores, dispostos a tudo por quinze minutos de fama. Durante a semana, políticos obscuros recorreram ao Twitter, o microblog público da internet, para divulgar frases favoráveis à ditadura militar ou ofensivas aos afrodescendentes e aos gays. Pelo menos um deles ganhou destaque em jornais, portais de internet e programas jornalísticos supostamente sérios da televisão. E, mais uma vez, a imprensa reproduziu as frases publicadas, amplificando-as e fazendo com que atingissem um público maior.

A cultura democrática brasileira, ingenuamente, isenta os veículos de comunicação de culpa em relação àquilo que ajudam a espalhar. A qualquer crítica mais contundente, levanta-se logo a bandeira da liberdade de expressão. Mas o fato é que o jornalismo não prescinde de padrões éticos, que condicionem o material publicado a uma análise de sua real relevância e à observância das leis que proíbem apologia ao crime, ao racismo, ao terrorismo e à homofobia. O jornalismo que explora a intolerância, mesmo que seja para criticá-la, presta um desserviço à sociedade. É, em muitos aspectos, um instrumento de que a intolerância se vale para chegar ao público, em forma de humor ou de notícia.


Fonte: 




sábado, 2 de abril de 2011

O dono do mundo


Não adianta sonhar
Se o tempo que chega
Te fará acordar
Antes que amanheça

O tempo não respeita
Suas aspirações
Nem mesmo, 
As contradições

A solução é descansar
Na transitoriedade
Daquele que vai
E em breve já vem

Trazendo a saudade
Levando a vaidade
Pois ele é assim
É o dono de tudo, é o dono do mundo

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