segunda-feira, 4 de abril de 2011

A intolerância é o show

Poucos políticos brasileiros são tão polêmicos quanto o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Suas opiniões trafegam na fronteira tênue que separa a liberdade de expressão da manifestação preconceituosa e irresponsável. Muitas vezes, cruzam a fronteira, como quando prega que os pais devem bater nos filhos para impedir que se tornem gays ou defende a tortura praticada nos porões da ditadura militar. Bolsonaro, nem é preciso dizer, é partidário da pena de morte. E a polêmica o acompanha há bastante tempo. Uma frase antológica atribuída a ele assevera que os militares deveriam ter fuzilado "uns 30 mil corruptos, a começar pelo presidente Fernando Henrique Cardoso". Isso foi em 1999.

A previsibilidade é uma característica do deputado. Quando um jornalista o questiona sobre união homoafetiva, políticas públicas para a aids ou pagamento de indenizações a ex-presos políticos, já sabe o que vai ouvir. E isso faz de Bolsonaro uma espécie de paiol de explosivos, ao qual certos órgãos de imprensa recorrem quando querem barulho. Se não foi essa a intenção do programa CQC, da Band, que produziu com ele um quadro de quatro minutos e meio intitulado "O povo quer saber", é difícil imaginar o que seria. Bolsonaro não decepcionou: disse frases infelizes e deu ao CQC a polêmica desejada.

É curioso que, nas reações indignadas que se seguiram, tenham sobrado críticas ao deputado (já se fala em cassação), ao passo que a responsabilidade do programa televisivo sequer chegou a ser discutida. É evidente que ela existe. Mesmo um programa humorístico tem responsabilidade sobre aquilo que veicula. A manifestação de Bolsonaro não foi espontânea, nem ocorreu em ambiente público ou na tribuna do Congresso. Ela foi arranjada. Foram feitas perguntas sobre temas que, sabidamente, recebem do deputado respostas agressivas. Houve evidente conluio entre entrevistadores e entrevistado para que um conteúdo polêmico pudesse ser produzido e levado ao ar.
A entrevista levantou a bola do deputado, que ganhou súbita projeção. Logo surgiram os imitadores, dispostos a tudo por quinze minutos de fama. Durante a semana, políticos obscuros recorreram ao Twitter, o microblog público da internet, para divulgar frases favoráveis à ditadura militar ou ofensivas aos afrodescendentes e aos gays. Pelo menos um deles ganhou destaque em jornais, portais de internet e programas jornalísticos supostamente sérios da televisão. E, mais uma vez, a imprensa reproduziu as frases publicadas, amplificando-as e fazendo com que atingissem um público maior.

A cultura democrática brasileira, ingenuamente, isenta os veículos de comunicação de culpa em relação àquilo que ajudam a espalhar. A qualquer crítica mais contundente, levanta-se logo a bandeira da liberdade de expressão. Mas o fato é que o jornalismo não prescinde de padrões éticos, que condicionem o material publicado a uma análise de sua real relevância e à observância das leis que proíbem apologia ao crime, ao racismo, ao terrorismo e à homofobia. O jornalismo que explora a intolerância, mesmo que seja para criticá-la, presta um desserviço à sociedade. É, em muitos aspectos, um instrumento de que a intolerância se vale para chegar ao público, em forma de humor ou de notícia.


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